Após o Tribunal de Contas apontar mais de 18 mil casos com indícios de inconsistências, governo, parlamentares e universidades discutem melhorias nos critérios, transparência e fiscalização do maior programa de acesso ao ensino superior de Santa Catarina.
O maior programa de acesso ao ensino superior de Santa Catarina, o Universidade Gratuita, está no centro do debate político e institucional. Com mais de 50 mil estudantes beneficiados em todo o estado, o programa foi alvo de levantamento do Tribunal de Contas de Santa Catarina (TCE/SC), que identificou indícios de inconsistências em cerca de 18 mil cadastros, o que poderia representar um risco de até R$ 324 milhões em recursos públicos.
Em resposta ao relatório apresentado pelo TCE, a secretária de Estado da Educação, Luciane Ceretta, reforça que o órgão não apontou irregularidades até o momento:
“O TCE apontou inconsistências, que é diferente de irregularidades. O que solicitei ao Tribunal é que nos envie a relação dessas inconsistências para que possamos realizar as averiguações devidas. Já pedimos a todas as universidades a revisão de todos os beneficiados até o momento.”
Ela também afirma que, caso irregularidades sejam confirmadas, os responsáveis serão punidos conforme a legislação vigente:
“A suspensão de bolsas, restituição dos recursos aos cofres públicos e multa para quem, porventura, tenha cometido alguma irregularidade (se confirmada) ocorrerá de imediato, conforme reza a lei.”
Além disso, a secretária anunciou mudanças no sistema de inscrições, que passam a ser centralizadas pela própria Secretaria de Educação a partir do segundo semestre de 2025. A nova medida visa aumentar a segurança e o rastreio dos dados apresentados pelos estudantes.
A deputada estadual Luciane Carminatti (PT), presidente da Comissão de Educação e Cultura da Alesc, também tem acompanhado de perto os desdobramentos. Ela reconhece a importância do programa, mas aponta falhas estruturais na legislação atual.
“Nós temos uma questão central que precisa ser corrigida, que é o índice de renda per capita. Para cursos como Medicina, o teto é de oito salários mínimos, o que pode significar até R$ 50 mil mensais de renda familiar. Quem tem essa renda pode pagar uma faculdade.”
A parlamentar revela que a comissão já recebeu quase 800 denúncias formais de fraudes, algumas delas com alunos ligados a grupos familiares com imóveis milionários, carros de luxo e até lanchas. Casos como esses já foram encaminhados ao Ministério Público.
“O objetivo não é impedir o programa, mas garantir que ele chegue a quem realmente precisa. Temos que reforçar as comissões de seleção nas universidades e padronizar os dados com os quais o governo já trabalha, como os da Receita Federal, Detran e Junta Comercial.”
A deputada também destaca mudanças em tramitação na Assembleia Legislativa. Uma medida provisória já aprovada na Comissão de Constituição e Justiça, por exemplo, retira a exigência de matrícula no momento da inscrição, o que, segundo a deputada, vinha endividando estudantes que não conseguiam a bolsa após se comprometerem com as instituições.
“Hoje temos cerca de R$ 115 milhões em dívidas acumuladas por alunos que não conseguiram a bolsa a tempo. A nova medida visa evitar isso.”
Outras propostas incluem a obrigatoriedade de que 91% das bolsas sejam destinadas a alunos oriundos da rede pública, percentual que espelha a realidade da educação básica em Santa Catarina.
FUNDESC também em pauta:
Além dos ajustes no Universidade Gratuita, a Assembleia Legislativa também debate mudanças relevantes no Fundo de Apoio à Manutenção e ao Desenvolvimento da Educação Superior Catarinense (Fumdesc), especialmente com impacto em cidades como Tubarão, onde o programa tem forte presença.
Na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), foi aprovada a admissibilidade da Medida Provisória 265/2025, que autoriza a redistribuição proporcional das sobras de recursos do Fumdesc entre as instituições particulares de ensino superior. A proposta também prevê que valores excedentes ao fim de cada ano sejam transferidos para o Universidade Gratuita, beneficiando as universidades comunitárias.
Também foi aprovado o Projeto de Lei Complementar (PLC) 9/2025, de autoria do deputado Napoleão Bernardes (PSD), que altera o calendário de seleção das bolsas e propõe que o Estado assuma dívidas de estudantes que reuniram todos os critérios para a concessão do benefício, mas que não foram contemplados e, ainda assim, se matricularam nas instituições.
O relator da proposta, deputado Pepê Collaço (PP), apresentou uma emenda substitutiva para reforçar a responsabilização do Estado. No entanto, a matéria ainda gera debate, inclusive dentro da base do governo. O líder Maurício Peixer (PL) afirmou que o projeto cria uma despesa extra estimada em R$ 230 milhões por ano e questionou a origem dos recursos.
Mesmo diante das divergências, os dois textos foram aprovados por unanimidade na CCJ e seguem agora para votação em plenário, consolidando a pauta do financiamento estudantil como um dos temas centrais do Legislativo catarinense em 2025.