Na coluna anterior, falei sobre inteligência artificial e seus impactos no aprendizado. Hoje, retomo um ponto que já observava antes do boom do ChatGPT: a urgência de estimularmos o imaginário para desenvolver a capacidade de resolver problemas.
Quando criança, eu e os amigos criávamos personagens, histórias e contextos. Imaginávamos cenas em nossas brincadeiras, fossem com bonecos ou correndo pelos terrenos. Inclusive, nos pendurávamos em antenas para gritar “Terra à vista!”, imaginando estar em um navio. Na época, parecia só brincadeira. Mas hoje percebo que aquilo ativava um repertório mental riquíssimo, alimentado por filmes, desenhos, quadrinhos e livros.
Com o tempo, essa habilidade de conectar referências virou uma ferramenta para conversar com diferentes pessoas, o famoso repertório de assuntos. Também passou a ajudar no enfrentamento de situações novas e na busca por soluções criativas, mesmo para problemas simples do dia a dia. Até mesmo para elaborar argumentos quando alguém te questiona algo. E não se limita aos benefícios profissionais, pois essa criatividade ajuda também no cotidiano. Pensar algo novo para casa, resolver um problema doméstico ou bolar uma boa “gambiarra”.
Há alguns anos, observando meus sobrinhos com seus amigos, comecei a perceber que, por mais animados e brincalhões que fossem, faltava uma amplitude imaginativa nas brincadeiras. Elas eram limitadas. Fiquei observando e, depois, refleti sobre o que consumiam: menos desenhos e filmes, pouca literatura e muito mais jogos. Contudo, os jogos já são bem diferentes dos antigos. Agora são mais realistas e praticamente prontos. Você tem todas as ferramentas ali, sem precisar imaginar além do que o jogo oferece. São filmes jogáveis, com a história definida. (Não diminuo, pelo contrário: é uma indústria que já superou a cinematográfica.)
Mas o ponto é que eles jogam, mas não inventam. Reproduzem o que consomem em vez de criar algo novo. A criatividade cede espaço à simulação.
Na sala de aula, a percepção se repete. Muitos estudantes têm dificuldade em imaginar situações, e não apenas soluções. Quando propomos um cenário fictício, há um bloqueio. A imaginação parece enfraquecida, e isso impacta diretamente a escrita, a oralidade, o raciocínio lógico e até a autoestima acadêmica.
É por isso que defendo o uso de narrativas, personagens e jogos simbólicos como estratégias pedagógicas. Atividades simples, como propor um cenário X com personagens Y que enfrentam um desafio Z, já exigem que o aluno projete, pense, imagine. E o resultado é sempre surpreendente: apresentações diferentes, soluções criativas, pluralidade de perspectivas.
A imaginação, acompanhada de referências, é uma aliada poderosa. E aqui destaco a importância da leitura. Ela ajuda na resolução de atividades, na construção de redações, na montagem de apresentações. Em outras palavras, permite enxergar soluções com mais facilidade. A leitura se torna fundamental nesse momento, pois exige a criação dos cenários narrados. Isso é algo único. Por mais semelhantes que sejam as visões de um cenário ou personagem descrito, elas nunca serão 100% iguais entre dois leitores.
Mas não me limito só aos alunos. Isso vale para todos nós. A imaginação também precisa ser exercitada por quem ensina, sejam educadores ou pais. Devemos buscar formas de transmitir as mensagens com mais criatividade e tornar os conteúdos mais atrativos. Seja por meio de narrativas diferenciadas, da criação de histórias para explicar um processo (uso do storytelling), precisamos trazer esses exemplos para dentro das práticas educativas.
Atividades básicas, como apresentar um cenário X com personagens Y e pedir que, incorporando esses personagens, os alunos resolvam determinados problemas, já são ótimas metodologias. A simples atividade de se imaginarem naquele papel, em um cenário que exige soluções não pré-determinadas, já os faz pensar em caminhos muito diferentes para resolver um mesmo problema. E o mais interessante é que, nas turmas, acompanhamos essa pluralidade nas múltiplas apresentações. Uma é muito diferente da outra.
Estamos vivendo uma era de respostas prontas, com pouco espaço para o inusitado. Mas a realidade não é um jogo com caminhos programados. Nossos alunos, filhos e colegas precisam saber criar seus próprios mapas.
E isso começa com algo da nossa natureza: imaginar.
Atividades feitas pelo GPT, respostas prontas, padrões claros da IA mantidos nas respostas… Esse é um cenário comum para muitos professores que, ao corrigirem os trabalhos dos alunos e, conhecendo a linguagem própria de cada um e suas formas de escrever, percebem que a respostas não são originais.
Não serei hipócrita ao dizer que não devemos usar a IA. Pelo contrário, ela já se tornou uma ferramenta de trabalho, e as novas demandas muitas vezes já consideram o tempo do profissional utilizando essas tecnologias. Porém, isso é pauta para outro artigo.
No cenário escolar, independentemente da área, os professores comentam a mesma coisa: os alunos estão usando o GPT para tudo, e, quando precisam fazer algo sem ajuda, não sabem como. Inclusive, um colega da área de T.I. não passa mais trabalhos para casa, pois, quando passa, os alunos montam a programação com a IA e, na hora de fazer em sala, não conseguem executar. Já nas áreas sociais, conversando com um professor de Direito, ele relatou o quanto os alunos estão dependentes do chat, sem aprender ou sequer ler a resposta gerada, não estão aprendendo nem o suficiente para formular uma pergunta corretamente.
CHAT É PROMPT
Quer uma boa resposta da IA? Escreva um bom prompt. Detalhe muito bem o que você quer, como deseja, para qual finalidade, com o máximo de informações possível. Aí sim, terá uma boa resposta. Entretanto, para fazer uma pergunta bem formulada, é preciso ter conhecimento prévio. O problema é que muitos nem ao menos leem o que o chat gera; copiam e colam sem corrigir erros que a IA pode apresentar ou ao menos “disfarçar” os vícios de linguagem comuns dessas ferramentas. Contudo, para corrigir esses vícios, é necessário ler.
Assim como a geração anterior aprendia a ler mais cedo, pois essa era a única forma de acessar certos conteúdos, as seguintes passaram a ler mais tarde, pois já contavam com celulares que liam as respostas buscadas no Google. A geração mais nova nem sequer quer ler, pois sua IA faz tudo. E o problema está aí: quando a IA faz tudo, você vira refém dela, pois não tem o conhecimento necessário para fazer boas perguntas.
COM A IA, BUSCADORES VIRAM MECANISMOS DE RESPOSTAS
No mês passado, li uma notícia que me fez perceber algo que está diante de nós, mas que muitas vezes não notamos no dia a dia. O que antes buscávamos diretamente no Google, agora perguntamos à IA, e ela nos entrega a resposta pronta.
Um relatório da SimilarWeb apontou que os mecanismos de busca tradicionais tiveram um declínio de 6,4% entre março de 2022 e março de 2025. O chefe de serviços da Apple, Eddy Cue, afirmou que as buscas no navegador padrão da Apple (Safari) caíram pela primeira vez na história. Enquanto isso, o Perplexity AI, um dos principais mecanismos de busca, ou melhor, de respostas, teve um crescimento de 205% entre março de 2024 e março de 2025, alcançando 160 milhões de visitas mensais.
Isso apenas reforça o quanto estamos buscando respostas prontas, o que impacta diretamente na qualidade dos trabalhos entregues pelos estudantes.
USE COMO UM SUPORTE, NÃO COMO BENGALA
Para finalizar, algo que sempre reforço com meus alunos é: usem a IA para agilizar, corrijam a ortografia e a gramática. Entretanto, estudem. Saibam o conteúdo para que possam criar boas perguntas e identificar quando algum detalhe da resposta não faz sentido. Utilizem a ferramenta para melhorar o que foi feito, mas não para fazer por vocês.
A educação evolui constantemente. Como educadores, precisamos evoluir também, compreender as novas tecnologias e saber como utilizá-las para aprimorar nossas aulas. Um exemplo são os slides com apoio de IA, como o Gamma.app, que economizam tempo em algo que antes levava horas. Mas, até para montar o prompt de um slide, é preciso compreender não só o conteúdo, mas também a estrutura desejada.
Ou seja, tecnologias morrem e surgem, mas, se não garantirmos nosso conhecimento teórico e prático, deixaremos de ser autônomos para nos tornarmos reféns.
E você, já analisou o quanto está dependente das IAs?
Na Próxima Aula
Professor, redator e videomaker. Trabalha na área de pesquisa e educação desde 2014, é autor do livro "Lex Derner: O Arqueólogo do Futuro" e da newsletter sobre cultura e educação Depois do Cafezinho. Quando pode, gosta de gravar dicas literárias.