Na segunda-feira, mais uma audiência pública sobre a APA da Baleia Franca lotou um salão paroquial em Imbituba. Foi mais uma cena de um debate cada vez mais esclarecedor no litoral sul de Santa Catarina, onde a proteção ambiental virou, injustamente, sinônimo de entrave ao desenvolvimento. De um lado, a necessidade urgente de regularizar comunidades, garantir moradia digna e evitar que famílias vivam à margem da lei. De outro, a importância de preservar um dos últimos redutos naturais da costa sul.
Já venho acompanhando essa pauta há um tempo, mas o assunto voltou com ainda mais força. E insisto, a Área de Proteção Ambiental da Baleia Franca não é o problema, é parte essencial da solução. O drama de quem vive no Campo Bom, em Jaguaruna, ou em outras comunidades tradicionais da região, é real e urgente. Falta luz, falta segurança jurídica, sobra medo de demolição. Mas culpar a APA é mais uma distorção alimentada por décadas de ausência do poder público, que nunca se dispôs a resolver a regularização fundiária e a criar políticas habitacionais de verdade.
Na audiência em Jaguaruna, meses atrás, o deputado Volnei Weber comparou a situação local à Faixa de Gaza. O exagero não surpreende. Serve apenas para revelar o nível de tensão e desinformação sobre o que realmente está em jogo.
A APA, criada em 2000, tem objetivos claros, proteger o ecossistema costeiro e permitir o uso sustentável de seus recursos. Não é um "parque intocável", como alguns propagam. Pelo contrário, permite atividades produtivas, inclusive a pesca artesanal, tão importante para municípios como Imbituba, Garopaba e Laguna. O que ela não tolera é o avanço predatório sobre áreas frágeis, que, sem proteção, desaparecem, levando junto a biodiversidade e a própria segurança das comunidades.
Quando o mar invadiu Jaguaruna em 2023, ficou evidente, onde havia duna preservada, o avanço foi de 30 cm; onde não, chegou a um metro. É a natureza dando um recado claro. Destruir ou reduzir a APA não vai resolver o problema habitacional e tampouco proteger quem mora ali vai, na verdade, aumentar o risco de tragédias climáticas.
Nesta semana, na audiência em Imbituba, mais uma vez se repetiram discursos inflamados, contrapondo desenvolvimento e conservação, como se fossem opostos. Não são. Como bem disse o biólogo Rodrigo de Freitas, a APA existe justamente para garantir que desenvolvimento e preservação caminhem juntos, sem que um precise eliminar o outro.
O agrônomo Leandro Fernandes, que vive há quase duas décadas em Garopaba, sintetizou bem: "Nenhum turista quer visitar uma área degradada". E ele tem razão. A proteção dos ecossistemas é também a proteção da economia local, especialmente em cidades que vivem do turismo e da pesca artesanal.
O caminho? Diálogo sim, mas diálogo honesto. Não o que usa o sofrimento legítimo das comunidades como justificativa para desmontar a proteção ambiental, mas o que reconhece que conservação e justiça social não são opostos, são faces da mesma moeda. Enquanto o litoral sul catarinense debate seu futuro, uma coisa é certa: a APA da Baleia Franca não pode ser o foco do problema. Ela é justamente uma das poucas ferramentas que ainda podem garantir que, no futuro, haja tanto baleias quanto comunidades prosperando nesta costa.
O litoral sul de Santa Catarina está diante de uma encruzilhada: ou escolhe o caminho fácil destruir a proteção ambiental e fingir que assim resolve todos os problemas. Oque já adianto que de nada vai servir pois as comunidades afetadas continuarão irregulares diante das APP e da Lei da Mata Atlântica. Ou encara a difícil, mas necessária, tarefa de construir um modelo que concilie a proteção das baleias, dos marismas, das dunas... e, principalmente, das próprias pessoas que vivem ali. Um possível ponto de partida seria o REURB, mas cabe ao município realiza-lo, oque vai envolver tempo, dinheiro e paciência.
A APA não é um obstáculo. É um instrumento. E, como tal, pode e deve ser aperfeiçoado. Só não pode ser desmontado.
Além do fato
Jornalista e locutor, apresentador do Jornal Litoral 1ª edição na 90.9 FM. Além do fato tem como objetivo a apuração cuidadosa e contato direto com fontes ligadas aos temas, a proposta é aprofundar os assuntos que impactam a região, indo além do texto pronto dos releases para mostrar o que realmente está por trás de cada pauta.