As investigações conduzidas pelo Tribunal de Contas de Santa Catarina (TCE-SC) identificaram mais de 18 mil possíveis fraudes no programa Universidade Gratuita e no FUMDESC, com destaque para beneficiários que apresentaram patrimônio declarado incompatível com os critérios de vulnerabilidade exigidos pela legislação.
Entre os casos mais alarmantes estão estudantes com bens superiores a R$ 1 milhão — alguns ultrapassando os R$ 10 milhões — que cursavam gratuitamente instituições privadas de ensino superior por meio de um programa voltado a famílias de baixa renda.
O prejuízo estimado aos cofres públicos ultrapassa R$ 320 milhões, valor que deverá ser objeto de ressarcimento.
Do ponto de vista jurídico, os envolvidos podem ser responsabilizados em múltiplas esferas. Na seara administrativa, aqueles que obtiveram o benefício de forma irregular devem devolver integralmente os valores recebidos, corrigidos monetariamente, conforme previsão da própria Lei Complementar nº 831/2023, que rege o programa.
Além disso, o Estado poderá suspender o benefício de forma imediata e até mesmo bloquear futuras renovações, como forma de proteger o erário e preservar a moralidade administrativa.
Na esfera penal, a conduta de quem apresentou informações falsas ou omitiu dados relevantes para acessar o benefício poderá configurar o crime de falsidade ideológica, previsto no artigo 299 do Código Penal, cuja pena varia de 1 a 5 anos de reclusão, além de multa. A depender do contexto, também pode ser caracterizada a obtenção de vantagem ilícita em prejuízo da administração pública, o que pode ensejar responsabilização por estelionato (art. 171) e associação criminosa (art. 288), especialmente se ficar comprovado que houve atuação articulada por parte de consultorias ou servidores para viabilizar os acessos fraudulentos.
O Ministério Público de Santa Catarina, já acionado pelo TCE e pela Procuradoria-Geral do Estado, poderá ajuizar ações penais contra os responsáveis, além de promover ações civis públicas com pedido de ressarcimento ao erário, bloqueio de bens e eventual indenização por dano moral coletivo. Também poderão ser responsabilizados os agentes públicos ou instituições de ensino que, por omissão ou conivência, tenham contribuído para a concessão indevida dos benefícios. Consultorias privadas que atuaram de forma dolosa orientando a fraude também estão sujeitas a sanções administrativas, cíveis e criminais.
Por fim, o episódio reforça a necessidade de aprimoramento dos mecanismos de controle e transparência em políticas públicas baseadas em critérios socioeconômicos. A fraude praticada por pessoas com alto poder aquisitivo não apenas desvia recursos de quem efetivamente precisa, mas compromete a credibilidade de programas essenciais para a redução das desigualdades no acesso à educação superior. A responsabilização exemplar dos envolvidos, em todas as frentes cabíveis, é fundamental não apenas para reparar os danos causados, mas também para desestimular a repetição desse tipo de conduta e reafirmar o compromisso do Estado com a legalidade e a justiça social.
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